Scorsese prova mais uma vez o que o cinema pode ser pensativo, evocativo, visceral

Na Apple TV, um épico disruptivo, um anti-western, para enxergar o Velho Oeste de forma diferente

Scorsese prova mais uma vez o que o cinema pode ser pensativo, evocativo, visceral
Sob Martin Scorsesse, Leonardo Dicaprio, Robert de Niro e Lily Gladstone num filme épico (Divulgação)

A partir desta sexta-feira, 12 de janeiro, "Assassinos da Lua das Flores" (''Killers of the Flower Moon''), do diretor Martin Scorsese, estará disponível no Apple TV+.  A história se passa em Oklahoma, na década de 1920, e retrata o assassinato em série de membros da nação Osage, rica em petróleo. Uma série de crimes brutais que ficou conhecida como o Reino do Terror.

Ao longo de décadas, Martin Scorsese firmou seu nome como um dos diretores mais importantes e renomados da história, não apenas na indústria de Hollywood, mas também mundialmente. Aos 80 anos, ele continua mostrando seu poder em contar histórias, como O Lobo de Wall Street (2013), Silêncio (2016) e O Irlândes (2019) deixaram isso bem claro. Desta forma, “Assassinos da Lua das Flores” chega provando o impacto e importância da obra de Scorsese, e que ele ainda tem muito para dar.

Inspirado no best-seller de David Grann e baseado em uma história real, Assassinos da Lua das Flores é situado em 1920, na região de Oklahoma, nos Estados Unidos. Misteriosos assassinatos acontecem com os povos indígenas Osage, donos de uma terra rica em petróleo. O caso foi investigado pelo FBI, a agência que tinha acabado de ser criada na época, envolvendo o poderoso J. Edgar Hoover, seu primeiro diretor.

 

EM REUNIÃO DE LEONARDO DICAPRIO, ROBERT DE NIRO E MARTIN SCORSESE, LILY GLADSTONE ROUBA A CENA EM ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES

Paramount Pictures

Leonardo DiCaprio e Robert De Niro são os principais parceiros de Martin Scorsese ao longo de sua carreira, mas Assassinos da Lua das Flores marca a primeira vez que os três trabalham juntos em um longa-metragem. Antes disso, eles só haviam colaborado no curta-metragem The Audition (2015).

O protagonista da trama é DiCaprio, que interpreta Ernest Burkhart. Retornando da Primeira Guerra Mundial, ele viaja para Fairfax, no Oklahoma, para se estabelecer com ajuda do seu tio William Hale (De Niro) na cidade pertencente ao povo Osage. Estúpido, mas com ambição de se estabelecer financeiramente, Ernest serve como um fantoche para os planos macabros de Hale em tomar a riqueza indígena.

De Niro impressiona como um dos personagens mais repugnantes de sua carreira. William Hale publicamente se porta de maneira cordial e pragmática por se tratar de uma figura respeitada entre o povo Osage. Porém, pelas lentes de Scorsese conhecemos sua verdadeira faceta desprezível e preconceituosa com os nativos, além de sua busca incessante por dinheiro.

Mas o destaque mesmo fica com Lily Gladstone, no papel mais importante de sua carreira. Ela interpreta uma mulher Osage chamada Mollie. Por ser herdeira de terras ricas em petróleo, ela e sua família logo despertam interesse dos homens brancos. Mesmo com uma atuação mais contida que DiCaprio e De Niro, Gladstone rouba a cena apenas com sua presença e seu poder no olhar, sendo o coração da narrativa.

 

RELACIONAMENTO ENTRE LEONARDO DICAPRIO E LILY GLADSTONE É O CORAÇÃO DO FILME

 

O relacionamento entre Ernest e Mollie funciona como ponto central da trama, um envolvimento complexo e impactante explorado pelo Scorsese. Inegavelmente existe essa história de amor entre os dois, mas também de traição. O diretor questiona o tempo todo a moralidade do protagonista e seu amor pela Osage, desde que ele concorda com seu tio em assassinar sua família para lucrar com esses crimes. Por mais que ele tenha um certo medo e respeito pela figura do William Hale, ele traçou suas próprias escolhas.

Em nenhum momento também a personagem de Gladstone é colocada em uma posição de ingenuidade. Na verdade, o filme está analisando justamente as relações de poder e os ciclos de abuso e violência do homem branco. Uma história de traição que acompanhamos com o desenvolvimento dos personagens.

 

DESCONSTRUÇÃO DO FAROESTE E DENÚNCIA DO HOMEM BRANCO

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Em O Irlândes, Martin Scorsese desglamouriza os filmes gângster, que foram parte importante em sua filmografia como vimos em Caminhos Perigosos (1973), Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995). Com Assassinos da Lua das Flores, o diretor propõe um novo olhar para o faroeste, desconstruindo o gênero que foi importante para sua formação como cineasta, mas também produziu estereótipos e preconceitos contra os povos indígenas – que foram colonizados e massacrados nos Estados Unidos.

É aqui que entra a importância da história contada por Martin Scorsese nas telonas. Baseado no livro de David Grann, o roteiro escrito por Scorsese e Eric Roth dá voz ao povo Osage e indígenas historicamente oprimidos, tomando a decisão de se posicionar e focar seu olhar para os homens brancos e seus crimes cometidos por ganância e poder.

Com um contexto histórico longo e complexo, Scorsese e Roth faz um recorte após o povo Osage ser forçadamente deslocado de Arkansas e Missouri, se estabelecendo em Oklahoma e enriquecendo com a descoberta de petróleo em seu território. O filme parte de quando os brancos já estão estabelecidos na região e, progressivamente, começam a colocar seu plano em prática com assassinatos. Falando deles, os crimes e toda a conspiração são mostrados de maneira fria e violenta, para ressaltar a crueldade e falta de escrúpulos dos personagens. Na adaptação, a investigação do FBI não é o foco e entra em cena para mais para o final, representado especialmente pelo personagem de Jesse Plemons, Tom White.

 

VALE A PENA ASSISTIR ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES?

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As 3 horas e 26 minutos de duração de Assassinos da Lua das Flores podem assustar, mas não são nem um pouco arrastadas. Muito disso se deve ao clima de conspiração e tensão constante que prendem do início ao fim, graças também à montagem de Thelma Schoonmaker, assim como o clima épico da narrativa evidenciado pela fotografia deslumbrante de Rodrigo Prieto e a trilha sonora de Robbie Robertson.

O mais importante é como Martin Scorsese retrata de forma respeitosa o povo Osage e sua cultura. Não apenas as filmagens do filme ocorreram no mesmo lugar dos eventos reais, em Oklahoma, como a produção também contou com o envolvimento e consultoria de indígenas e membros da nação Osage. Tudo isso permite uma representação histórica fiel da época e, principalmente, das pessoas retratadas – na contramão do que se normalizou no cinema estadunidense, uma visão repleta de estereótipos.

Um dos filmes mais poderosos e importantes da carreira de Martin Scorsese, Assassinos da Lua das Flores tem como objetivo denunciar a relação opressiva dos Estados Unidos com os indígenas. Desta forma, o filme é um épico com representação respeitosa para o povo Osage e sua cultura, ao mesmo tempo que evidencia os ciclos de violência e opressão perpetrados pelo homem branco, sua crueldade e ganância.

 

Veja o trailer: