Recluso e 'sentenciado', Peter Frampton lança novo disco

Lançamento

Recluso e 'sentenciado', Peter Frampton lança novo disco
Peter Frampton (segundo, a partir da esquerda) com sua banda Foto: Austin Lord

Aos 71 anos e sofrendo de uma doença degenerativa que aos poucos compromete seriamente os músculos de suas pernas e braços, Peter Frampton sabe que sua sentença já está dada: cedo ou tarde (mais para cedo), vai se separar da guitarra. Simplesmente por não mais conseguir tocar. Processo irreversível.

 

Tudo começou anos atrás. Em um show, do nada, o guitarrista caiu “de maduro” no palco. Todo mundo – banda, público – riu, inclusive ele. Não muito depois, aconteceu de novo. Sinal de alerta ligado, no início de 2019, Frampton fez um check-up. O diagnóstico foi bem ruim: IBM (Inclusion Body Myositis), ou miosite, mal autoimune que causa a degeneração do tecido muscular esquelético. Seus dias como instrumentista, ele admite, estão contados.

 

Em verdade, motivado pelo deadline forçado, o músico nascido em Bromley, perto de Londres, mas naturalizado americano, cujo último concerto acontecera na Califórnia, em 2019, até voltaria à estrada com sua Farewell Tour Finale, nome do giro de despedida motivado pela descoberta da doença – tinha planos inclusive para a América do Sul e Brasil. Mas aí apareceu um vírus. “Retomar a turnê? Difícil. Para não dizer pouco provável”, diz. Sua terapia na quarentena foi mergulhar no estúdio com a Peter Frampton Band.

 

A reclusão foi prolífica. Entre outros projetos, Frampton solta, nesta sexta-feira, 23 de abril, Frampton Forgets the Words (Frampton Esquece a Letra), título-brincadeira para o apanhado de dez temas instrumentais pinçados a dedo em meio a suas admirações, influências e amizades. Entre as faixas já conhecidas, Reckoner, do Radiohead, e belíssimas e delicadas releituras de Roxy Music (Avalon) e, em especial, Loving the Alien, do grande amigo David Bowie, a quem conheceu ainda na infância (seu falecido pai, Owen Frampton, era professor do Starman). “Acabamos de finalizar Isn’t It a Pity” (que está no vídeo abaixo), revela, sobre a singela balada de outro “brother”, o beatle George Harrison. A playlist inclui ainda novas abordagens para canções de Lenny Kravitz, Sly & Family Stone, Jaco Pastorius, Marvin Gaye, Stevie Wonder.

 

A guinada instrumental do propalador da técnica do talk box (dispositivo que produz efeito similar à voz na guitarra, que ganhou sucesso principalmente em músicas da década de 70, como “Show Me The Way”) já aparecera em Fingerprints (2006) – o trabalho contendo a hipnótica recriação de Black Hole Sun, do Soundgarden, lhe valeu o primeiro e único Grammy até agora. Longe da autocomiseração, na entrevista a partir de Nashville, no Tennessee, onde vive, o músico, bem-humorado, comenta o novo disco e momentos da carreira, que ganhou impulso a partir dos anos 1970 no Humble Pie (banda de blues rock tida como um dos primeiros supergrupos do gênero), até a aclamação planetária com os megahits – Baby I Love Your Way, Do You Feel Like We Do, Show Me The Way – do viral Frampton Comes Alive!, de 1976, um dos discos ao vivo mais vendidos na história da indústria fonográfica. “Aquilo (o sucesso) foi uma bênção e uma maldição”, desabafou, na autobiografia Do You Feel Like I Do?: A Memoir, lançada no final de 2020.