Oppenheimer: um Christopher Nolan denso e difícil, mas eficiente
Filme em cartaz no Cine Roxy foge das convenções da biopic ao exacerbar obsessões psicossexuais do diretor
Não há caminho fácil para aproximar-se de Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), o brilhante físico norte-americano que passou à História como “o pai da bomba atômica”. De todo modo, independente do que pensamos sobre sua invenção, que podemos olhar sob uma perspectiva histórica, trata-se de um personagem rico em camadas e contradições que despertou, com toda razão, o interesse do premiado cineasta britânico Christopher Nolan.
Nolan se aproxima de sua criatura inspirado numa esplêndida biografia - Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, um trabalho que custou aos autores 25 anos e foi premiado com um Pulitzer. Contando com essa e outras fontes de informação sobre Oppenheimer, o cineasta transforma em formidáveis imagens e sons a fúria, a carne, as contradições, as intrigas políticas e as decepções trágicas de uma vida nada comum e que teve o condão de mudar para sempre o planeta, independente de suas intenções. Afinal, a criação escapou das mãos do criador para tornar-se objeto de controle militar, desatando algo que o físico nunca desejou, a corrida armamentista.
Não é simples compor este personagem contraditório sem pender para o heroico nem o vilanesco. E é exatamente este o mérito maior desta cinebiografia, que contempla, em três alentadas horas, a formação do físico, seu engajamento no projeto Manhattan, a criação da bomba atômica e um dia seguinte, para ele, fadado a um ostracismo imposto pelo macartismo. Obra de fôlego, que tem no irlandês Cillian Murphy um protagonista sob medida para esta ambiguidade e que projeta um ser humano por trás de tudo.
Este homem que se tornaria tão poderoso é visto na juventude quando, estudante de química - era essa sua formação -, mostrava-se desastrado nas práticas de laboratório. Sua vocação estava na física teórica e ele segue os passos dos grandes físicos de seu tempo, como o alemão Werner Heisenberg (Matthias Schweighöfer), o dinamarquês Niels Bohr (Kenneth Branagh) e o alemão Albert Einstein (Tom Conti) - que será seu colega em Princeton e com quem manterá uma amizade energizada por suas divergências profissionais.
Esse homem obcecado pela física quântica mostra inteligência múltipla, sendo poliglota e amante da literatura e da poesia de seu tempo. Não lhe escapa um ligeiro flerte com o idealismo comunista, que é cultivado pelo engajamento de seu irmão Frank (Dylan Arnold) no Partido e também por sua própria simpatia pela causa do governo republicano espanhol assediado pelos fascistas de Francisco Franco.
Nessa imersão na ciência e pela cultura, Oppenheimer encontrava tempo para algumas tempestuosas paixões por mulheres como Jean Tatlock (Florence Pugh), uma intensa militante comunista, e uma perigosa atração por mulheres casadas, como Kitty (Emily Blunt), que viria a tornar-se sua esposa.
Embora breves em seu tempo na tela, estas duas mulheres ocupam um espaço particular como paradigmas de um feminino divergente dos padrões dominantes de sua época. Kitty, em particular, tem uma personalidade não raro agressiva e oposta ao modelo dos anos 1950 de esposa submissa e mãe devotada. Aliás, o casal Oppenheimer não raro deixa à mostra suas inadequações com a vida doméstica.
O ponto alto da história é, como se poderia esperar, o projeto Manhattan, o período de isolamento na região desértica de Los Alamos nos anos 1940 até culminar no teste final da bomba, o Trinity - e que merece uma das sequências mais impressionantes do filme que, alegadamente, não tem CGI. A fidelidade da direção ao seu projeto é mantida através de uma ágil montagem não linear, assinada por Jennifer Lame, que coloca em paralelo sequências deste grande momento de vitória do protagonista com cenas de sua derrocada pública, em 1954. Nesse ano, ele se defendia de um processo de cartas marcadas, dominado pelos macartistas e conduzido em audiências secretas, que levou à sua expulsão do projeto governamental de energia atômica. Esta dualidade permite perceber melhor aquilo que move o cientista, tanto sua ambição quanto sua integridade, que o levou a expor-se ao discordar publicamente dos caminhos tomados pelo uso da energia nuclear nos EUA.
Algumas outras figuras notáveis neste drama são o almirante Lewis Strauss, admiravelmente interpretado por um Robert Downey Jr. completamente diferente dos registros em que nos acostumamos a vê-lo em sua carreira. Strauss teve uma dupla influência na vida de Oppenheimer, primeiro nomeando-o diretor do Instituto de Estudos Avançados de Princeton em 1947, depois tornando-se decisivo em seu afastamento do governo, sete anos depois. Outra figura militar importante é o general Leslie Groves (Matt Damon), que esteve ao lado do cientista durante o desenvolvimento da bomba em Los Alamos. Mesmo com uma participação pequena, Casey Affleck deixa uma marca interpretando outro militar frio, Boris Pash, que irá pesar na posterior desgraça profissional do cientista.
Essa é, aliás, uma das grandes atrações do filme, certamente responsável por uma fatia considerável de seu polpudo orçamento de US$ 100 milhões - o fato de que até coadjuvantes em pequenos papéis são atores famosos, caso de Gary Oldman, Rami Malek, Jason Clarke, Josh Hartnett, Matthew Modine e Alden Ehrenreich, para citar alguns.
No mais, o que se pode dizer é que a mística de Christopher Nolan funciona aqui em grande estilo. Oppenheimer tem tudo para ser um dos grandes filmes do ano, desencadeando discussões importantes sobre uma série de assuntos contemporâneos e caminhando a passos largos para uma coleção de indicações ao Oscar (Neusa Barbosa, do CineWeb)
Oppenheimer (Oppenheimer). EUA, 2023. Gênero: Biografia. Duração: 180 min. Classificação: 16 anos. Direção: Christopher Nolan. Elenco: Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr., Florence Pugh, Jason Clarke, Gary Oldman, Rami Malek, Kenneth Branagh, Casey Affleck, Alden Ehrenreich, Josh Hartnett, Matthew Modine. Cine Roxy, em Passos, 20h30.
Outros filmes em cartaz no Roxy: Barbie, 15h30 (dub) e Megatubarão, 18h00 (dub)
Veja o trailer: