Monte Santo em luto oficial pela morte do filho ilustre: Milton Gonçalves

Ator também venceu preconceitos e lutou pelo reconhecimento do trabalho dos negros

Monte Santo em luto oficial pela morte do filho ilustre: Milton Gonçalves
Mineiro de Monte Santo, Milton Gonçalves falou sobre infância em livro: 'Me lembro andando de carro de boi' (Reprodução)

A Prefeitura de Monte Santo de Minas emitiu nota de pesar pela morte do Milton Gonçalves, que nasceu no município e será sepultado nesta terça-feira, no Rio de Janeiro. O prefeito Carlos Eduardo Donnabella decretou luto oficial de três dias no município. “Nesse momento de dor a administração municipal se solidariza com todos os familiares e amigos e expressa as mais sinceras condolências pela perda”, diz a nota.

O ator e diretor Milton Gonçalves, ícone da TV Brasileira, que morreu nesta segunda-feira (30) aos 88 anos, era natural de Monte Santo de Minas. Em depoimento publicado pela escritora Elaine Pereira Rocha, no livro "Milton Gonçalves: memórias histórias de um ator afro-brasileiro", pela editora e-manuscrito, em 2019, o ator relembrou sua infância no Sul de Minas e sua origem humilde.

"Eu sou mineiro. Eu nasci numa cidadezinha no interior de Minas, mais chegada a São Paulo do que ao estado de Minas, chamada Monte Santo, que é perto de Guaranésia, Guaxupé e São Sebastião do Paraíso. Meus pais eram catadores de café. Literalmente catadores de café. Eu tenho na minha memória algumas imagens de quando eu era menino, de três, quatro, cinco anos de idade, em que meus pais mudaram para a capital São Paulo, em busca de uma melhoria evidentemente. Meu pai lá foi ser pedreiro, auxiliar de pedreiro, minha mãe obviamente, foi ser empregada doméstica, lavadeira de roupas. E eu me lembro que a gente andava pra cima e pra baixo", disse Milton.

"Me lembro andando de carro de boi. Me lembro caminhando com meu tio, por uma estrada de terra, e ele me pôs sentado em cima de um mourão de cerca, para eu espiar e dizer pra ele se vinha vindo alguém, porque ele ia roubar umas abóboras", Milton Gonçalves em depoimento para livro publicado em 2019.

No depoimento para o livro de memórias, o ator também disse que se lembrava pouco de sua infância e falou da sua relação com os pais. "Eu me recordo de pouca coisa de Monte Santo. Mas me lembro que pessoas se referiam à minha família como o "o povo de Xambá"! (...) Eu me lembro pouco de meu pai com a minha mãe. Eles brigavam muito. Eu não me lembro muito bem. Um dia, eu estava com uns seis ou sete anos, trabalhando numa quitanda. Eu ficava ali na frente, tomava conta das frutas do português pra ninguém roubar. Meu pai apareceu e me disse: 'Tô indo embora'! E foi. Eu o encontrei uns trinta anos depois", disse o ator no depoimento.

O velório acontecerá a partir das 9h30 desta terça-feira (31) no Theatro Municipal, no Centro do Rio. A cerimônia será aberta ao público. Às 13h, o corpo do ator segue para o Cemitério do Caju, onde será cremado.

 

CARREIRA

Conhecido por trabalhos marcantes em novelas como "O bem-amado" (1973) e as primeiras versões de "Pecado capital" (1975) e "Sinhá Moça" (1986), ele morreu em casa por volta de 12h30, segundo a família, por consequências de problemas de saúde decorrentes de um AVC sofrido em 2020. Na ocasião, o ator ficou três meses internado e precisou de aparelhos para respirar.

Milton Gonçalves também venceu preconceitos e lutou pelo reconhecimento do trabalho dos negros, como lembrou o filho e também ator Mauricio Gonçalves. Ele integrou, junto com Célia Biar e Milton Carneiro, o primeiro elenco de atores da TV Globo, onde fez mais de 40 novelas. Estrelou ainda em programas humorísticos e minisséries de sucesso, como as primeiras versões de "Irmãos Coragem" (1970), "A grande família" (1972) e "Escrava Isaura" (1976). Também se destacou nas séries "Carga Pesada" (1979) e "Caso verdade" (1982-1986).

No cinema, Milton Gonçalves estrelou mais de 50 filmes, como "Cinco vezes favela" (1962), "Gimba, presidente dos Valentes" (1963), "A rainha diaba" (1974), "O beijo da mulher aranha" (1985), "O Que é isso, companheiro?" (1997) e "Carandiru" (2003).

Quando a TV Globo levou ao ar A Cabana do Pai Tomás (1969), novela baseada em um clássico romance norte-americano sobre a escravidão nos Estados Unidos, a classe artística achou que o papel deveria ser de Milton. Mas o personagem, negro, foi interpretado por Sérgio Cardoso (1925-1972), que era branco. O dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999) fez uma campanha no jornal em que tinha uma coluna contra Sérgio, que quando se encontrava com Milton tentava justificar sua escalação.

A convite de Daniel Filho, principal nome da dramaturgia da TV Globo, Milton também dirigiu novelas como Irmãos Coragem (1970) e alguns capítulos de Selva de Pedra (1972), dois clássicos de Janete Clair. Ao longo dos anos 1970, ele brilhou em frente às câmeras com personagens marcantes, como o Professor Leão, de Vila Sésamo (1972), e Zelão das Asas, de O Bem-Amado (1973). Milton também estava no elenco da primeira versão de Roque Santeiro (1975), no papel de Padre Honório, mas a trama foi proibida pela ditadura militar.

O ator também esteve presente em outros sucessos de audiência, como Baila Comigo (1981), de Manoel Carlos, Sinhá Moça (1986) de Benedito Ruy Barbosa, e A Favorita (2008), de João Emanuel Carneiro. Seu último papel na televisão foi ao viver um Papai Noel no especial Juntos a Magia Acontece, que foi ao ar no fim de 2019.

Milton também se candidatou ao governo do Rio de Janeiro em 1994, pelo PMDB, mas não venceu a eleição. Atualmente, estava na diretoria do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro (Sated/RJ). Em 2017, ele chegou a ser nomeado presidente do Teatro Municipal do Rio, mas não assumiu o cargo. A decisão foi tomada porque Milton era membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão consultivo da Presidência da República, e o acúmulo da função de presidente do Municipal configuraria "conflito de interesse".

Milton deixa os filhos Alda, Maurício e Catarina.