Como fortalecer o seu ‘músculo da felicidade’? Conheça estratégias respaldadas pela ciência

Medidas simples podem ajudar a impulsionar a busca por emoções positivas, ensinam especialistas

Como fortalecer o seu ‘músculo da felicidade’? Conheça estratégias respaldadas pela ciência
Passos simples podem ajudar a aumentar o impulso para buscar emoções positivas (Hoi Chan/The New York Times)

Todos nós já passamos por isso: aquela vontade de ficar em casa e evitar até experiências que sabemos que vamos curtir – mesmo quando o que mais precisamos é melhorar um pouco o humor. Pulamos a festa de aniversário. Cancelamos o almoço. Simplesmente não vale a pena. E aí o mais provável é que a gente se sinta ainda pior do que antes.

Então, como você encontra motivação para sair de casa, especialmente quando está enfrentando depressão, estresse, cansaço e solidão? Uma estratégia comprovada é fortalecer o que os psicólogos chamam de sensibilidade à recompensa.

Nosso impulso para buscar a felicidade é um músculo que podemos desenvolver, assim como nossa capacidade de saborear experiências. Quase qualquer pessoa pode aprender a aumentar sua sensibilidade à recompensa treinando para identificar e saborear suas emoções positivas. Isso vale até mesmo para pessoas com depressão e ansiedade que têm dificuldade de sentir prazer, um problema chamado anedonia.

É claro que todo mundo às vezes tem dificuldade para buscar alegria. Recentemente, levei meus filhos pequenos para a praia no fim de semana. Horas antes da nossa viagem, soube que um amigo tinha morrido. Entorpecida pela notícia, não estava com vontade de me divertir, embora quisesse fazer com que aquele fim de semana fosse especial para minha família.

Faz parte do meu trabalho de terapeuta ensinar as pessoas a gerenciar suas emoções. E, como digo aos meus pacientes, é possível honrar fontes legítimas de dor e, ainda assim, reconhecer que momentos de brilho melhoram nosso bem-estar.

As estratégias abaixo, que são fundamentadas em pesquisas e que uso na minha clínica, me ajudaram a aproveitar ao máximo nossa viagem.

 

Sensibilidade à recompensa e saúde mental

Quando o assunto é tratamento de saúde mental, médicos e terapeutas tendem a se concentrar em aliviar os sintomas negativos de seus pacientes: eles querem “tirar as coisas ruins”, explicou Alicia Meuret, professora de psicologia na Southern Methodist University.

No entanto, a maioria de nós não precisa apenas reduzir a dor: precisamos também aumentar a alegria.

Na verdade, fortalecer as emoções positivas às vezes é mais importante do que conter os sintomas depressivos. E pesquisas demonstram que tratamentos baseados nessa ideia podem ser eficazes.

Um estudo de 2023 coliderado por Meuret descobriu que, quando adultos com depressão ou ansiedade participaram de 15 semanas de psicoterapia focada em aumentar as emoções positivas, eles relataram melhoras mais consideráveis do que um grupo cuja terapia se concentrara em reduzir as emoções negativas.

Intervenções mais breves também apresentaram benefícios. Um estudo de 2024 com 85 alunos, liderado por Lucas LaFreniere, professor assistente de psicologia no Skidmore College, enviou a indivíduos com ansiedade lembretes periódicos no smartphone para eles planejarem atividades prazerosas, saborearem momentos positivos e ansiarem por eventos positivos futuros. Após uma semana, eles melhoraram significativamente os sentimentos de otimismo.

 

Um exercício para aumentar sua sensibilidade à recompensa

Para aumentar sua sensibilidade à recompensa, você pode tentar um exercício baseado nos planos de tratamento desses estudos. Faça disso uma prática diária pelo tempo que for útil, mas tente se comprometer por uma semana, pelo menos.

Comece planejando uma atividade por dia que deixará você feliz ou lhe dará um sentimento de realização. Isso fará com que você tenha menos probabilidade de adiar experiências positivas. Seja realista: pode ser algo tão simples quanto se presentear com uma comidinha favorita, ler algumas páginas de um romance ou fazer uma chamada de vídeo com um amigo.

Depois de curtir esse momento diário, feche os olhos e conte em voz alta, no tempo presente, onde e quando você experimentou a maior alegria. Concentre-se nos detalhes e nas sensações físicas, como a brisa refrescando seu rosto no pôr-do-sol. Tudo isso pode parecer piegas, mas não ignore os detalhes, disse Meuret. A ideia não é só lembrar como você se sentiu, mas amplificar e reviver esse momento.

Os psicólogos chamam de “saborear” esse processo de identificar e mergulhar em emoções positivas.

“Cultivar o brilho das emoções positivas”, como disse LaFreniere, fortalece sua memória delas e aumenta sua motivação para buscá-las no futuro. Saborear também ajuda a neutralizar a tendência muito humana de focar e lembrar de aspectos negativos de determinado acontecimento: o amigo que chegou 15 minutos atrasado, a coisa que você se arrependeu de ter dito.

 

Mais maneiras de reforçar sentimentos positivos

 

Aqui estão alguns ajustes mais sutis, mas poderosos, que você pode fazer para nutrir uma mentalidade positiva:

Expanda seu vocabulário da alegria: muitos de nós temos dificuldade de caracterizar nossas emoções positivas com adjetivos muito além de “bom”, “legal” ou “ótimo”. Mas pesquisas sugerem que encontrar mais palavras para descrever esses sentimentos pode validá-los e intensificá-los, disse Meuret. Ao refletir sobre como algo fez você se sentir, tente falar com mais precisão, usando palavras como “sereno”, “exultante”, “eufórico”, “encantado”, “inspirado”.

Compartilhe seus melhores momentos: pense nos detalhes que você geralmente conta quando alguém lhe pergunta sobre seu dia ou sobre uma viagem recente. Às vezes, é tentador usar a resposta para desabafar. Mas falar sobre o que deixou você mais feliz pode fazer você se sentir melhor e espalhar essa felicidade para a outra pessoa – além de fortalecer seu vínculo com ela, disse Charlie Taylor, professor associado de psiquiatria na Universidade da Califórnia, em San Diego, que pesquisa a sensibilidade à recompensa social.

Veja o copo meio cheio: com a prática, você vai conseguir enxergar os pontos positivos que se escondem em coisas que costumamos encarar como negativas, disse Taylor. Por exemplo, se você convida colegas de trabalho para algum evento e somente uma pessoa aparece, é fácil ver isso como um fracasso. Mas o lado positivo, disse ele, é que você tem a chance de conhecer melhor essa pessoa.

Anteveja vitórias futuras: se você sente pavor só de olhar para o calendário, disse Meuret, escolha um evento que esteja se aproximando e pense no melhor resultado possível. Se você estiver sem energia e quiser desistir de encontrar um amigo para um treino na academia, imagine uma aula especialmente energizante. Imagine que vocês vão se divertir e depois sentir orgulho da prática. Usar imagens pode encorajar a motivação e preparar você para experiências mais edificantes, explicou Meuret.

 

Além disso, veja 7 dicas para proteger a saúde mental:

 

1.  Pare e ouça os pássaros

Pesquisas vêm mostrando que a intenção com a natureza está associada a mais saúde do corpo e do cérebro. Um estudo concluiu que ouvir áudios curtos do canto dos pássaros pode reduzir a ansiedade, a depressão e a paranoia.

 

2.  Cuide dos dentes

Escove os dentes e use fio dental, desde cedo e com frequência. Evidências crescentes sugerem que o que se passa na boca pode afetar o cérebro.

 

3.  Inspire-se nos 'superidosos'

Exercite o corpo, coma alimentos ricos em fibras, mantenha vida social ativa e faça coisas dificeis. Esses são alguns hábitos dos "superidosos" — pessoas com mais de 80 anos cuja memória é tão boa quanto a de gente 20 a 30 anos mais nova.

 

4.  Exercício respiratório

Pratique respiração cíclica durante cinco minutos por dia. Inspire lentamente pelo nariz para começar a expandir os pulmões. Inspire novamente para encher os pulmões ao máximo. Depois, expire lenta e completamente o ar pela boca. Pesquisas mostram que os exercícios de respiração podem melhorar não apenas o humor, mas também a fisiologia, induzindo um estado mais relaxado.

      

5.  Reduza a inflamação

A exposição prolongada a agentes inflamatórios no sangue pode quebrar a barreira entre o corpo e o cérebro, causando neuroinflamação e alterando circuitos neurais importantes, dizem os pesquisadores. Há coisas que todos podem fazer para diminuir a inflamação no corpo sem tratamentos medicamentosos. Já se demonstrou repetidas vezes que os exercícios físicos têm efeitos anti-inflamatórios. Experimente moderar nos carboidratos ou seguir uma dieta mediterrânea rica em vegetais.

 

6.  Abrace e dê as mãos

Com apenas um abraço, um carinho ou um leve aperto de mão podemos aproveitar o poder do toque social. Estudos mostram que o toque social é essencial para nosso  mental e pode reduzir o estresse e a dor.

 

7.  Deixe sua mente viajar

Muitos dos nossos melhores pensamentos não acontecem durante o trabalho ou na escoIa, mas enquanto cuidamos dos afazeres do dia a dia, com ideias incubadas em segundo plano.

 

Dê a si mesmo permissão para se sentir feliz

Tenha em mente que às vezes é normal se sentir desconfortável com sentimentos prazerosos, principalmente se você sofre de depressão e ansiedade.

“Algumas pessoas às vezes se sentem vulneráveis quando se permitem se sentir bem”, disse LaFreniere. As preocupações podem preparar você para reagir às ameaças – mas, se estamos sempre nos preparando para um desastre, disse ele, perdemos a felicidade que está diante de nós agora.

Na minha recente viagem de fim de semana com meus filhos, foi difícil me divertir. Mas, mesmo assim, compartilhar marshmallow diante do mar resplandecente me encheu de prazer. Fiz questão de parar e saborear os melhores momentos, como quando alguns floristas nos deram punhados de hortênsias e rosas de um arco de casamento que estavam desmontando na praia. Senti ondas de tristeza quebrando pela viagem, pensando no amigo que tinha perdido, mas me deixar levar pelo amor e pela leveza me ajudou a reencontrar meu equilíbrio.

“A verdade”, disse LaFreniere, “é que às vezes precisamos nos comportar como pessoas felizes se realmente queremos ser felizes”.

Este artigo de Jenny Taitz foi originalmente publicado no The New York Times. Traduzido por Renato Prelorentzou, foi publicado no Estadão.