''Angela'', inspirado na vida da socialite mineira Ângela Diniz, chega ao Prime

Ângela Diniz foi vítima de um dos feminicídios mais chocantes do País e que se tornou um dos símbolos do movimento “Quem Ama Não Mata”

''Angela'', inspirado na vida da socialite mineira Ângela Diniz, chega ao Prime
Filme fixa-se nos últimos meses da vida de Ângela, interpretada por Ísis Valverde (Divulgação)

Depois de assinar a cinebiografia Elis (2016), o diretor Hugo Prata prossegue em sua filmografia em torno de mulheres-ícones no Brasil das últimas décadas com Ângela - uma ficção que focaliza a socialite mineira Ângela Diniz (1944-1976), vítima de um dos feminicídios mais chocantes do País e que se tornou um dos símbolos do movimento “Quem Ama Não Mata”, criado em Belo Horizonte nos anos 1980. O julgamento de sua morte expôs o machismo estrutural vigente através do lamentável recurso à “legítima defesa da honra”, usado pelo advogado do assassino e apenas em agosto de 2023 definitivamente declarado como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Roteirizado por uma mulher, Duda de Almeida, o filme fixa-se nos últimos meses da vida de Ângela (interpretada por Ísis Valverde) e assume o propósito de imaginar os meandros de seu envolvimento com Raul “Doca” Street (Gabriel Braga Nunes), um relacionamento impulsivo, explosivo e ultimamente fatal para Ângela.

 

A protagonista é mostrada como uma mulher livre e desafiadora dos padrões morais da época, tendo tido a coragem de romper um casamento infeliz, que ela assumira aos 17 anos, pagando o preço de abrir mão da guarda dos três filhos. Em sua busca de retratar Ângela como uma personagem com mais nuances, evidencia-se sua preocupação com os filhos, cuja companhia ela não cessa de procurar, colocando em primeiro plano um lado diferente da imagem de “pantera” que ela adquiriu na mídia. Quase sempre, em seu prejuízo.

 

Sua liberdade sexual, num contexto em que mesmo mulheres de condição financeira alta costumavam conformar-se em casamentos de conveniência, seria mesmo natural que o filme enfatizasse o sexo, como enfatiza - talvez demais. Há cenas eróticas em profusão ao longo da história, algumas carregadas de violência para mostrar a deterioração do relacionamento com Doca, que vai se tornando mais possessivo e ciumento. Mas provavelmente essas sequências ocupem mais espaço do filme do que seria razoável quando se declara a intenção de fazer justiça a mais aspectos de sua protagonista, sabidamente bela e sensual mas, como pessoa, certamente muito mais do que esse rótulo.

 

Um aspecto realista no enredo está na inserção do colunista social Ibrahim Sued (Gustavo Machado) como um namorado e amigo de Ângela antes de Doca - na época do crime, essa intimidade foi um tanto obscurecida, já que o jornalista, que era famosíssimo, foi poupado de ser mencionado pela mídia.

 

Abraçada com muita entrega pela atriz Ísis Valverde, Ângela surge na tela como uma explosão de beleza e sensualidade mas o roteiro e a direção falharam em desdobrar mais aspectos da complexidade dessa mulher, que foi sacrificada na fogueira midiática e judicial e, de certa forma, continua a sê-lo até hoje. Como disse certa vez, com muita propriedade, o poeta Carlos Drummond de Andrade: “Aquela moça continua a ser assassinada todos os dias e de diferentes maneiras”. Portanto, o filme é uma oportunidade perdida de ir mais longe na tarefa de resgatar sua plena humanidade.

 

Gabriel Braga Nunes, por sua vez, comparece com uma interpretação no limite da caricatura, num esforço aparente de humanizar um personagem desde o início fadado a ocupar um espaço negativo. No elenco de apoio, sobressai-se a jovem Alice Carvalho, como a empregada do casal, restando pouco a fazer para Carolina Manica, como Adelita Scarpa, ex-mulher de Doca, e um casal amigo, interpretado por Bianca Bin e Emilio Orciollo Netto - que sintetizam uma série de personagens da vida real e no filme não oferecem contraponto eficiente. Chris Couto aparece quase irreconhecível como a mãe de Ângela.  (Neusa Barbosa/CineWeb)

 

Veja o trailer: