Alunos pedem reformulação de assistência nas universidades estaduais

Iniciativa busca impedir que alunos com menor poder aquisitivo desistam do curso superior

Alunos pedem reformulação de assistência nas universidades estaduais
Falta de recursos para alimentação e moradia foi relatada pelos estudantes no debate desta segunda (Guilherme Bergamini)

Os estudantes das universidades públicas de Minas Gerais precisam que o Programa Estadual de Assistência Estudantil seja repensado para atender a suas necessidades. Essa foi a conclusão a que chegou a mesa de abertura do debate público sobre o assunto, que está sendo realizado ao longo desta segunda-feira (21/8/23), pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

 

De acordo com a vice-presidente da Unidade Estadual dos Estudantes, Camila Moraes Miranda, o momento político do País é de ter esperanças de que a educação pública melhore. Para ela, o debate público precisa ser pautado na ampliação do orçamento das universidades, com autonomia orçamentária e financeira, e no fortalecimento do programa de assistência, com reformulação do decreto para incluir as demandas dos restaurantes universitários e de moradia estudantil.

 

O Programa de Assistência Estudantil foi instituído pela Lei 22.570, de 2017, e regulamentado pelo Decreto estadual 47.389, de 2018, e é voltado aos estudantes com menor poder aquisitivo, com o objetivo de impedir que os alunos desistam da universidade pública por falta de recursos para as despesas básicas.

 

Os valores dos auxílios variam de R$ 120 a R$ 312,50, dependendo da modalidade solicitada pelo estudante, que pode ser nas seguintes áreas: moradia, alimentação, transporte, creche, auxílio de inclusão digital e apoio didático-pedagógico

 

O reitor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Wagner de Paulo Santiago, afirmou que na atual realidade do País a universidade tem disputado os estudantes com o mercado de trabalho.

 

“Muitos escolhem trabalhar e a única forma de mudar isso é a assistência estudantil. Apenas por meio da educação vamos mudar a realidade dos mineiros. A Unimontes abrange 40% do Estado, 342 municípios numa faixa de Almenara a Unaí, uma área muito grande que precisamos atender. Me comprometo a, na minha administração, usar todo o recurso destinado à assistência estudantil. Sou egresso da Unimontes e filho de servente de escola e sei que, se não fosse a universidade pública, eu não estaria aqui”, falou.

 

Demandas

A reitora da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), Lavínia Rosa Rodrigues, elogiou o fato de que na reforma administrativa de 2023 o governo estadual tenha previsto a autonomia das instituições, mas ressaltou que isso, isoladamente, não resolve todas as questões.

 

“Nosso orçamento melhorou, conseguimos ampliar o recurso da assistência estudantil, o que é nosso melhor investimento, porque são os alunos que levam nosso nome longe. Mas na UFMG, por exemplo, eles têm o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que contempla o restaurante universitário com dotação orçamentária específica. E isso seria fundamental para nós também,” afirmou Lavínia Rosa Rodrigues, Reitora da Uemg.

 

Secretário-Geral da Associação dos Docentes da Universidade do Estado de Minas Gerais (Aduemg), Cássio Hideo Diniz Hiro chamou a atenção para o fato de que os auxílios estudantis muitas vezes não atendem às demandas de transporte, moradia e saúde dos estudantes.

 

“Como também coordeno o núcleo de apoio do estudante da Uemg na cidade de Campanha, posso dizer que nós sentimos na ponta muita carência, com o adoecimento mental, físico e psicológico dos estudantes e dos professores. Muitos tinham legitimidade para ter o auxílio estudantil, mas o número dessas bolsas é limitado”, contou.

 

 

Deputados apoiam causa

Autora do requerimento para a realização do debate e presidenta da Comissão de Educação, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) frisou a necessidade de pressionar o Governo de Minas quanto à necessidade de autonomia e orçamento forte para a Uemg e a Unimontes.

 

Já a deputada Lohanna (PV) ressaltou que a alimentação estudantil e o acesso e permanência na universidade pública são direitos dos estudantes.

 

O deputado Cássio Soares (PSD) frisou que não é favor dar condições aos estudantes de permanecerem na universidade pública, mas sim uma obrigação. “Buscamos aqui na ALMG a educação superior pública de qualidade”, disse.

 

Representando o governo estadual, o assessor chefe de Relações Institucionais da Secretaria de Estado de Educação, Fernando Antônio França Sette Pinheiro Júnior, disse que o papel do governo é definir os valores das bolsas, mas que o debate necessário sobre como podem ser feitas melhorias cabe ao Parlamento mineiro e à comunidade acadêmica.

 

“O debate mais essencial é como manter os alunos lá. A evasão tem sido grande, tanto nas universidades públicas quanto nas particulares. Concordo que o auxílio por si só seja insuficiente, mas por meio de debates como esse de hoje podemos melhorar”.

 

Aluna do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), campus Passos (Sul de Minas), Tayná Pereira Costa listou dificuldades que um estudante de baixa renda enfrenta. “A primeira delas é entrar na universidade, porque somos provenientes de escolas públicas e concorremos com estudantes de escolas particulares”, disse.

 

Outro obstáculo é conciliar estudo e trabalho para se sustentar. “Lutamos contra o tempo”, afirmou. Decorrente da pressão para dar conta de toda essa realidade, ela citou que a saúde mental fica afetada e há dificuldade em recorrer à ajuda psicológica.

 

Ela contou que o auxílio-alimentação de R$ 150 é insuficiente para o mês todo e que o campus não conta com auxílio moradia. Tudo isso, como disse, já resultou em seis desistências de colegas só no primeiro semestre deste ano.

 

Vítor Severino Ribeiro, estudante de Psicologia da Uemg, no campus Divinópolis (Centro-Oeste), disse que compartilha do relato de Tayná Pereira.

 

Filho de um trabalhador rural e de uma doméstica, como relatou, é o primeiro da família a cursar o ensino superior. Ele defendeu a criação de restaurante universitário e moradia estudantil e disse que os estudantes precisam lutar pelo mínimo como ter o que comer e onde morar. “Quero meu direito de sonhar”, afirmou.

 

Estudante do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), do campus Pirapora (Norte), Gabriel Cristian da Silva Soares também demandou a ampliação dos auxílios aos estudantes.

 

Política pontual

O supervisor técnico do Escritório Regional em Minas Gerais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fernando Duarte, destacou que, pela análise dos editais referentes à assistência estudantil no Estado e de seus resultados, é possível observar que há uma demanda grande não atendida, o que demonstra que não se trata de uma política universal.

 

Ele exemplificou que, na Unimontes, de 1.789 inscritos para benefícios, 1.149 foram beneficiados. O economista também disse que o valor do salário-mínimo é 8,8 vezes maior do que o valor do auxílio-alimentação. Já o custo da cesta básica na Capital mineira, por exemplo, é 4,35 vezes maior que o valor desse auxílio.

 

Frustração de direitos

Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Leonardo Barbosa e Silva salientou que, se há problemas para acessar e permanecer no ensino superior, existe uma frustração de direitos.

 

Ele defendeu, como um primeiro passo para fazer frente à evasão, a elaboração de diagnósticos. “Cada coordenação de curso deveria perguntar a um aluno que abandonou as aulas o motivo de ter saído. Se foi uma escolha pessoal ou se foi motivado por uma privação”, disse.

 

Ele acrescentou que, com esse levantamento, é importante constituir uma comissão para fazer estudos e, a partir daí, se pensar na aplicação de recursos para essa assistência.